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O que afinal o STF decidiu sobre a terceirização

  • 19/09/2018



    O que afinal o STF decidiu sobre a terceirização



    No dia 30/08/2018, o Supremo Tribunal Federal – STF terminou o julgamento, decidindo, por 7 votos a favor e 4 contrários, pela possibilidade de terceirização em todas as atividades das empresas contratantes. Não importa para este texto o número de erros técnicos existentes no julgamento, bem como os equívocos fáticos das “opiniões” externadas pelos ministros que votaram com a tese vencedora, nem mesmo seus altamente prováveis efeitos maléficos. Pretende-se, ao contrário, desvelar o que foi de fato decidido e sua extensão.

    Isso é de extrema relevância porque, como demonstraram os estudiosos de impacto das leis, talvez mais importantes do que o próprio texto da lei (ou da decisão judicial, no caso) são: 1) a mensagem que se passa à população e às autoridades que vão fazer cumprir a norma; 2) como a mensagem é recebida pelos destinatários, ou seja, seu impacto.1

    Percebe-se já um ruído no recebimento da mensagem, talvez devido aos inflamados discursos ideológicos de alguns ministros, dando a falsa impressão de um “liberou geral”. Um exemplo desse ruído é reportagem em que advogados patronais aconselham as empresas a não confundirem a liberação da terceirização com a possibilidade de contratação de empregados como “pessoa jurídica”, ou seja, o fenômeno denominado de pejotização.

    Há, assim, a premente necessidade de esclarecimento da mensagem oriunda do Supremo Tribunal Federal.

    A tese de repercussão geral aprovada pelo STF no julgamento do RE 958252 está definida nos seguintes termos:

    “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”

    Considerando que a tese afirma a licitude da terceirização “ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas”, importa interpretar o sentido jurídico atribuído a tal expressão.

    A expressão “divisão do trabalho” é amplamente utilizada em diversos contextos e áreas do conhecimento, como administração, economia, sociologia, história, etc., em cada caso com um enfoque um pouco diferente.

    No âmbito do Direito do Trabalho não há um conceito legal definindo seu sentido ou alcance, de modo que a expressão deve ser entendida no contexto da questão jurídica submetida ao STF e da novel legislação regulamentando a matéria.

    Cabe lembrar que em ambos processos levados a julgamento (ADPF 324 e RE 958252 ) a discussão gira em torno da constitucionalidade ou não da vedação da terceirização de atividades-fim, em contraste com a permissão nas atividades-meio, conforme consolidado na súmula 331 do TST, em período anterior ao marco regulatório da prestação de serviços a terceiros, conforme a nova redação da Lei nº 6.019/1974, dada pelas Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017.

    Note-se que a tese aprovada trata de formas de divisão do trabalho “entre pessoas jurídicas distintas”, o que nos remete à ideia de fracionamento das etapas de uma atividade produtiva e se harmoniza com a norma do artigo 4º-A da Lei nº 6019/74,2 bem como indica a possibilidade de subcontratação de serviços pela empresa prestadora de serviços, como prevê o § 1º do mesmo art. 4º-A.3

    Na mesma linha, é necessário observar que o ministro Barroso iniciou seu voto sobre os dois processos apresentando o conceito de terceirização, delimitando a controvérsia submetida a julgamento: “A discussão, portanto, versa o tema da terceirização. Terceirizar significa transferir parte da atividade de uma empresa para outra empresa, por motivos de custo, eficiência, especialização ou outros interesses empresariais. Assim, uma etapa da cadeia produtiva de uma empresa – denominada empresa contratante – passa a ser cumprida por uma outra empresa – denominada prestadora de serviços ou contratada.”4

    Assim, considerando a dicotomia que sempre envolveu a matéria da terceirização, entre atividades-meio e atividades-fim, aparentemente a Suprema Corte buscou apenas tornar claro que sua decisão abrange as diversas terminologias utilizadas na legislação ordinária, desde a recente regulação ampla da “prestação de serviços a terceiros”, bem com hipóteses de terceirização em sentido amplo, como “contratação de terceiros para desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares”5, ou “execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares pela iniciativa privada”.6

    A nova regulação que, repita-se, não era objeto do julgamento do Supremo Tribunal Federal, será a balizadora da legalidade das práticas de prestação de serviços, indicando, no entanto, a Suprema Corte com essa decisão, a sua constitucionalidade.

    Longe disso, no entanto, está a possibilidade de contratação de trabalhadores como “pessoa jurídica”, pois, conforme o art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, consideram-se nulos todos os ajustes que visem afastar a aplicação da legislação trabalhista, quando presentes os requisitos da relação de emprego (arts. 2º e 3º, CLT) . A denominada “pejotização” não se confunde com a terceirização, pois não se trata de transferência de atividades de uma empresa para outra, mas de fraude à relação de emprego, mediante simulação de uma relação entre pessoas jurídicas.

    A contratação de trabalhadores verdadeiramente autônomos, desde que inexistentes os requisitos da relação de emprego, seja por pessoa jurídica ou pessoa física, é prática lícita, que não sofreu alteração na nova regulação. O § 2º do art. 4º-A da Lei nº 6.019/1974 também não autoriza a prática, pois deve ser interpretado no contexto da Lei e tem redação muito similar ao art. 442, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, que previa que não haveria vínculo empregatício entre cooperados e empresas tomadoras de serviço, nada mais dizendo uma consequência lógica: quando estivermos perante uma verdadeira prestação de serviços a terceiros, de forma autônoma, cumpridos os requisitos da lei, nem os sócios da prestadora de serviços, nem seus empregados terão vínculo empregatício com a empresa contratante ou tomadora de serviços.

    Da igual forma, não há previsão de possibilidade de empresa para mero fornecimento de mão de obra. De fato, como se observa da leitura do art. 4º-A e seu § 1º, que afirma que a prestação de serviços é a transferência de execução de atividades à empresa contratada, que contratará, remunerará e dirigirá o trabalho realizado por seus trabalhadores. Ou seja, os trabalhadores não podem ser dirigidos, remunerados ou contratados pelo tomador de serviços. Caso o fizer, será considerado fraude à permissão legal de prestação de serviços, por descumprimento da nova lei e aplicação dos arts. 2º, 3º e 9º da Consolidação das Leis do Trabalho.

    Perceba-se que a única forma de intermediação de mão de obra permitida é a contratação de empresa de trabalho temporário, conforme o art. 4º da Lei nº 6.019/1974. Caso não fosse assim, este artigo, que fala expressamente em “colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas” teria sido revogado, e não alterado, como o foi pela Lei nº 13.429/2017. Não teria razão nenhuma de contratação de empresa de trabalho temporário, com diversos requisitos especiais, se a contratação de mão de obra por empresa intermediária pudesse existir sem qualquer restrição.

    A lei, além do requisito da prestação de serviços de forma autônoma pela contratada, ainda prevê que haja capacidade econômica na realização da atividade. Esses dois requisitos serão os balizadores da legalidade da prestação de serviços a partir do novo marco legal. Além deles, há a previsão de quarentena, constituindo presunção de fraude a contratação de ex-empregados como sócios de pessoas jurídicas contratadas ou empregados de prestadora de serviços no período de dezoito meses do fim de seu contrato, com exceção de trabalhadores aposentados. Essa norma visa a tornar mais difícil a fraude com a retirada da condição de empregados da empresa a trabalhadores que continuem executando a mesma atividade.

    Do exposto, podem ser extraídas as seguintes conclusões:

    1) o recente julgamento do Supremo Tribunal Federal tratou da possibilidade da prestação de serviços a terceiros em todas as atividades da contratante, em período anterior às modificações da Lei nº 6.019/1974; 2) como consequência lógica da decisão, há a indicação como constitucional o dispositivo da nova regulação que permite a contratação de prestação de serviços a terceiros em todas as atividades da empresa contratante, e a subcontratação desses serviços; 3) a partir da nova regulamentação, seus requisitos regrarão a contratação de prestação de serviços no Brasil; 4) os novos dispositivos legais não autorizam a prática de contratação de trabalhadores subordinados por meio de pessoa jurídica; 5) a nova lei somente autoriza a contratação de trabalhadores por interposta pessoa, ou mera intermediação de mão de obra, por empresa de trabalho temporário, na forma e requisitos da lei; 6) a licitude da prestação de serviços pressupõe a efetiva transferência da execução de atividade, a autonomia da empresa contratada e que tenha capacidade econômica compatível com a execução do contrato; 7) a tomadora de serviços, ou sua subcontratada, contrata, remunera e dirige a atividade de seus trabalhadores, sendo fraude aos requisitos da novo regramento e dos arts. 2º, 3º e 9º da Consolidação das Leis do Trabalho a existência dos requisitos da relação de emprego em relação à tomadora de serviços; 8) além desse requisito, a lei impõe a quarentena de dezoito meses para a recontratação de trabalhadores por meio de contratos de prestação de serviços, seja como sócios das contratadas, seja como empregados de prestadora de serviços.

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    1 FRIEDMAN, Lawrence W. Impact. How Law Affects Behavior. Cambridge/London: Harvard, 2016.

    2 Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

    3 Art. 4º-A. (…) § 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

    4 htttps://www.youtube.com/watch?v=t-QMW5Shaz0&t=376s

    5 Lei 9472/97 (Lei Geral das Telecomunicações). “Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: I – empregar, na execução dos serviços, equipamentos e infra-estrutura que não lhe pertençam; II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados”; Lei 8987/1995 (Lei Geral do Setor Elétrico) “Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade. § 1o Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de *atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.”

    6 Decreto-Lei nº 200/1967. § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

    (*) Paulo Joarês Vieira é Procurador Regional do Trabalho e Coordenador da CONAFRET – Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, do MPT. Rodrigo Lacerda Carelli é Procurador do Trabalho no Rio de Janeiro e Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Fonte: JOTA


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